17 de dezembro de 2013

Estopim dos protestos de junho, tarifa de ônibus volta ao debate em Porto Alegre

Rodoviários começam a discutir o percentual de reajuste dos salários, que pode impactar no valor das passagens em 2014

Estopim dos protestos de junho, tarifa de ônibus volta ao debate em Porto Alegre Félix Zucco/Agencia RBS
Serviço de transporte coletivo deve ser discutido pelo menos até fevereiroFoto: Félix Zucco / Agencia RBS
Estopim da onda de protestos que sacudiu o Brasil em 2013, o valor da passagem de ônibus de Porto Alegre voltará à mesa de negociação. 

Sem sinal à vista da prometida licitação que poderia reorganizar o sistema de transporte da cidade, o prefeito José Fortunati enfrentará um novo dilema nas próximas semanas: atender às reivindicações dos movimentos sociais que defendem a redução das tarifas do transporte público ou acolher os apelos das empresas, que pressionam pelo reajuste dos valores.  

A partir de sexta-feira, começa a ser definido o valor que os rodoviários pedirão para a atualização dos salários, dando a largada para os cálculos da revisão das tarifas na Capital para 2014. As discussões devem avançar pelo menos até fevereiro, tradicional período de reajuste da passagem.

O representantes dos trabalhadores do transporte público antecipa o tom do debate.

— Os caras (empregadores) vêm com esse negócio de que baixaram a tarifa, de que não vai ter reajuste maior do que a inflação. Se eles inventarem de não dar nada, eu vou dizer: sinto muito. O problema é deles, eles é que têm de resolver, ter gordura para manter as empresas deles — declarou o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transportes Coletivos e Seletivos Urbanos de Passageiros da Cidade de Porto Alegre, Julio Pires, o Julio Bala.

Será a oportunidade também para as companhias buscarem o equilíbrio financeiro que alegam ter perdido com a redução do preço, ocorrida em 2013. Recapitulando: o Tribunal de Contas do Estado (TCE) determinou que a frota reserva de ônibus não pode ser usada no cálculo da passagem, o que resultou na manutenção do valor de 2012, R$ 2,85, quando já havia ocorrido o reajuste para R$ 3,05.

Em julho, a prefeitura isentou a cobrança de ISSQN das companhias de ônibus, e a tarifa caiu para os atuais R$ 2,80. A Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP) garante que a redução afetou as empresas, e elas chegam ao final do ano em uma situação econômico-financeira "bastante difícil", segundo palavras do gerente-executivo da entidade, Luiz Mário Magalhães Sá.

— Estamos mantendo os compromissos mais essenciais para que as operações sejam feitas normalmente. A primeira coisa que as empresas fazem nessa situação é suspender o programa de renovação da frota — afirmou.

A Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) confirmou que somente 31 veículos foram substituídos este ano. Em 2011, foram 226. No ano passado, 163. A falta de novos ônibus estaria aprofundando os atrasos gerados pelas obras da Copa. Sem veículos extras para cumprir as viagens alongadas pelos obstáculos no caminho, as tabelas ficaram fadadas ao descumprimento.

Há 10 grandes irregularidades no sistema de ônibus da Capital, concluiu o TCE, em seu relatório — inclusive falta de licitação. Além disso, a planilha usada pela EPTC para definir a formação do preço da passagem, a Geipot, é considerada obsoleta. Ela foi criada pelo governo federal nos anos 70, e seu problema é que todos os custos de operação são cobertos pela tarifa sem explicitação do lucro a ser obtido pelo operador, criticam especialistas. A de Porto Alegre tem 30 anos e foi alterada sucessivamente, na tentativa de modernizá-la ao longo do tempo. A licitação, prometida para 2013, poderia ser uma solução, mas a perspectiva não é favorável.

— É muito difícil sair o edital ainda este ano — avalia o diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari.

Integrante da executiva estadual da Assembleia Nacional dos Estudantes (Anel) e participante dos protestos do Bloco de Luta pelo Transporte Público que tomaram a Capital durante o ano, Matheus Gomes observou que o cenário não está muito diferente daquele de antes da queda da tarifa:

— A qualidade do transporte continua ruim. O transporte não mudou.

O ponto de vista do Tribunal
O relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE) que apontou vários problemas no sistema de transporte público de Porto Alegre este ano mudou o curso da história ao contradizer a fórmula do cálculo da passagem. A frota reserva de ônibus foi retirada da planilha, e o preço da passagem retrocedeu dos R$ 3,05 recém-ajustados em 2013 para os R$ 2,85 do ano anterior. 

A expectativa é de que o relatório seja votado em fevereiro de 2014. No caso de aprovação, será mantida a exclusão da frota reserva do cálculo. Mas podem surgir novidades, já que o documento questiona desde a forma com que os aumentos dos insumos são calculados até o lucro das empresas.
O ponto de vista dos manifestantes pelo passe livre
Os movimentos que espalharam as contestações ao preço das passagens pelo país e obtiveram conquistas históricas, como a redução das tarifas, arrefeceram depois das jornadas de junho. Mas não morreram. Os ativistas continuam atuando em outras frentes.

Eles passaram a agir em apoio às reivindicações salariais de professores e participaram da ocupação em universidades para protestar contra o valor das mensalidades, por exemplo. Um tanto adormecido na questão das passagens, o movimento poderá acordar se uma proposta de reajuste das tarifas despontar, já que o objetivo é garantir direito ao passe livre.

O ponto de vista dos funcionários das empresas
Na última semana, representantes da categoria apresentaram alguns pontos de suas reivindicações ao sindicato dos rodoviários. O dissídio dos motoristas e cobradores é o ponto de partida para o cálculo anual do reajuste da passagem, e, para 2014, os trabalhadores deverão tentar, como sempre, um aumento acima da inflação. 

A ideia é de que as empresas têm gordura para sustentar um ganho real, já que, entre 1994 e 2012, o preço das passagens aumentou 670,27% em Porto Alegre, enquanto a inflação medida pelo INPC foi de 281,31% no período, conforme pesquisa do Dieese divulgada em fevereiro passado.

O ponto de vista das companhias de ônibus
A baixa do preço das passagens limitou a capacidade de investimento das empresas, a ponto de a renovação da frota ter sido ínfima. Com perdas de R$ 50 milhões por causa da redução da tarifa, as companhias de ônibus querem que o preço seja reajustado e o que foi perdido, pago. 

Outra preocupação é com a perspectiva de licitação do sistema de transporte. Caso as empresas que hoje atuam na Capital não vençam o concurso e tenham de encerrar suas atividades na cidade, caberá uma indenização por parte da prefeitura, defendem.

O ponto de vista da EPTC
O órgão de trânsito de Porto Alegre está sob intensa pressão em três frentes: a movimentação nesta época do ano em torno do reajuste das passagens, a iminência de votação do relatório do TCE e o esgotamento do prazo para lançar a licitação do novo sistema de transporte público de Porto Alegre, que inclui os ônibus BRT e as integrações, entre elas, com o metrô. 

O maior impasse para a definição do edital é o modelo tarifário, isto é, justamente como será calculado o preço da passagem. Além de haver a pendência do relatório do TCE, ainda não é possível definir o impacto da integração com o metrô porque inexiste projeto desse modal. Também há a questão da indenização às empresas que hoje atuam no transporte público da Capital, caso elas tenham de parar seus serviços por ficarem de fora na licitação.

A Procuradoria-geral do Município avalia se haveria necessidade de pagamento. A princípio, caso seja necessário indenizar alguma empresa, isso poderia ser feito pelo vencedor da licitação.

O ponto de vista do Comtu

O Conselho Municipal de Transportes Urbanos foi apontado por manifestantes pró-passe livre como "caixa-preta" do sistema de transporte da Capital. Sua decisões a respeito do reajuste da passagem seriam tomadas na penumbra e por meio de processos, motivações e votações obscuros, questionam os ativistas. Eles reivindicam maior representatividade da sociedade civil no conselho. Depois da onda de reclamações, nada mudou no Comtu. 

A entidade garante que as representações são justas: sete cadeiras para órgãos da prefeitura (Smov, Smurb, PGM, Carris, EPTC/SMT, Smam, Orçamento Participativo), três para a comunidade (aposentados, estudantes e moradores), sete para categorias profissionais ou de classe (CUT, Crea, sindicatos de taxistas, rodoviários e transportadores escolares, associações de empresas de ônibus e lotação), além de Brigada Militar, Detran e Metroplan. Ao longo do ano, em reuniões mensais, o Comtu já vem se preparando para analisar um possível pedido de reajuste nas passagens para 2014.

O ponto de vista dos ingressantes com ações para reduzir a tarifa
O autor mais lembrado de ações na Justiça contra o preço das passagens de ônibus é o vereador Pedro Ruas (PSOL). Depois de obter uma liminar para diminuir a tarifa, amparada na questão da inexistência de licitação, o vereador tem uma nova ação pronta para ser encaminhada à Justiça. Bastará, para isso, que as empresas formulem um pedido de aumento das passagens, garantiu o vereador. A argumentação básica é, novamente, a falta de licitação.

— Sem licitação, não pode ter aumento. Hoje é absurdo alguém pensar em aumentar tarifa de ônibus no Brasil. Se eles fizerem esse movimento, estarão chamando as pessoas para a rua — diz.

O ponto de vista do governo federal
Com os movimentos pela melhoria da qualidade do transporte público e seu barateamento, o governo federal elevou o assunto para o topo de suas discussões internas. A movimentação influenciou o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a lançar uma proposta para garantir transporte gratuito a 7,5 milhões de brasileiros, criada a partir da análise de projetos de lei em tramitação no Congresso. 

Ficariam isentos de pagar tarifa os ocupados informais, desocupados, estudantes do Ensino Fundamental, Ensino Médio, Ensino Superior, Prouni e Fies, conforme a situação social e a renda. Há uma expectativa, ainda, de que o governo federal crie regras nacionais para o funcionamento do transporte público no país, principalmente com relação ao cálculo tarifário.

A agenda do reajuste das tarifas
- 20 de dezembro: Em assembleia geral, os funcionários das empresas de ônibus definirão a pauta de suas reivindicações para 2014 e deve se definido o percentual de reajuste dos salários pedido pelo sindicato. O piso, hoje, dos trabalhadores é de cerca de R$ 1,8 mil para motorista e R$ 1,2 mil para cobrador.

- Janeiro de 2014: Ao longo do mês, uma comissão mista de negociação das empresas e do sindicato define o valor dos salários e outras questões relacionadas ao dissídio. Depois disso, pode ser reivindicado um reajuste da tarifa do transporte público.

- 1º de fevereiro de 2014: É a data-base do dissídio dos rodoviários. O novo valor dos salários de motoristas e cobradores passa a valer, assim como a nova tarifa.

Como está o edital de licitação do sistema de transporte público da Capital
— Projeto básico está praticamente concluído, pois já conta com o mapeamento de toda a rede, as especificações de todas as linhas, previsão de entrada do sistema BRT em operação integral em 2015.
— Falta especificar a integração e o mapa da alimentação do metrô, mas ainda não existe edital para definir como funcionará o novo modal de transporte da cidade. No momento, cinco empresas estão autorizadas a desenvolver o projeto até início de março. Depois, são necessários mais dois ou três meses para selecionar os projetos e, a partir disso, elaborar o edital final.
— O grande dilema é a definição do modelo tarifário. Hoje, ele é baseado em uma lei porque não tem contrato ou licitação.
— Outra indefinição é a indenização às empresas que operam hoje na cidade e poderão ficar de fora com a licitação.

A situação em outras cidades
Canoas
No mês de fevereiro de cada ano é feito um estudo técnico com base no índices salariais e de combustíveis para definição do reajuste das tarifas de transporte público. Pela desoneração dos encargos sociais, em fevereiro de 2013, ao invés de aumento nas tarifas de transporte público, houve uma redução no valor da tarifa, que baixou de R$ 2,65 para R$ 2,60. Como o estudo para o ano de 2014 será realizado em fevereiro, ainda não existe uma previsão de percentuais para um possível reajuste. A última licitação para empresas de transporte público aconteceu em 2008. O atual contrato vale por 10 anos.

Santa Maria
A tarifa de ônibus não aumenta desde 2012 no município, mantendo-se em R$ 2,45. O dissídio dos trabalhadores é um fevereiro, por isso, a possibilidade de um reajuste é cogitada, e a planilha de custos já começa a ser analisada. Há também uma reivindicação das empresas de ônibus para que haja desoneração de ISSQN, por isso, ainda não se sabe se o preço pode subir ou cair na cidade.

Pelotas
A passagem de ônibus aumentou 5,8% no último domingo, passando de R$ 2,60 para R$ 2,75. Com isso, o valor voltou ao patamar de 2012, já que havia diminuído para R$ 2,60 em 2013 sob o efeito da desoneração da folha de pagamento pelo governo federal. Nos últimos dois mandatos, a prefeitura tentou realizar licitações para o sistema de transporte, mas esbarrou na Justiça, por ação de empresas que operam ônibus municipais. Um grupo de trabalho do atual governo estuda uma forma de licitar o transporte, e pretende abrir o concurso em março, na previsão mais otimista.

Caxias do Sul
O reajuste da passagem de ônibus está em discussão no município, e deve ter algum andamento na próxima semana. Há possibilidade de que o reajuste saia até janeiro. Atualmente, a tarifa está em R$ 2,75, 10 centavos abaixo do valor que vigorou até metade do ano, reduzido com a desoneração fiscal. A licitação atual data de 2010 e tem duração de 10 anos.
fonte: ZERO HORA

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