Decisão judicial de julho do ano passado determina disputa pelas cerca de 1,8 mil linhas que cruzam o Estado
Juliano Tatsch
Enquanto se aproxima a data de abertura dos envelopes das empresas concorrentes na licitação do transporte público de Porto Alegre, um outro processo semelhante caminha a passos de tartaruga. Ou nem caminha. A licitação das linhas do transporte intermunicipal do Rio Grande do Sul segue como promessa. Enquanto isso, assim como ocorre na Capital, o sistema continua operando na ilegalidade.
O inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 determina que “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública”. Ou seja, há mais de 25 anos é obrigatória a realização de licitação para a concessão de qualquer serviço público, entre eles o transporte.
No Estado, desde 2002, uma decisão judicial, em liminar, determina a realização do certame. Em 24 de julho do ano passado, a juíza Andreia Terre do Amaral, que atua na 3ª Vara da Fazenda Pública da Justiça gaúcha, ratificou a decisão determinando multa diária de R$ 1 mil por contrato de concessão vencido ao Departamento Autônomo de Estradas e Rodagem (Daer), autarquia responsável por gerenciar o setor. O departamento recorreu da decisão, que ainda não teve o mérito julgado.
“Não há julgamento do mérito obrigando a licitação, mas a liminar está valendo”, afirma o promotor Nilson de Oliveira Rodrigues Filho, da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público, que ajuizou a ação. Enquanto isso, a multa, que é retroativa a 2002, não está sendo paga. De acordo com o diretor de Transportes Rodoviários do departamento, Paulo Ricardo Velho, a intenção é de que um acordo seja firmado com o MP para que a multa não precise ser paga. “O orçamento do Daer não paga a multa”, afirma.
No total, por volta de 1,8 mil linhas de ônibus intermunicipais cruzam o Rio Grande do Sul. Conforme dados de 2012, o sistema transportou 54.851.218 passageiros durante todo aquele ano.
Apresentado em julho de 2011, o relatório da força-tarefa que apurou denúncias de irregularidades na autarquia estadual já apontava a situação do transporte como problemática. “A situação atual dos contratos das linhas de transporte não difere das estações rodoviárias. Ou encontram-se vencidas ou foram prorrogadas irregularmente, sem licitação, após a Constituição Federal de 1988. Existem também casos de contratos de novas concessões, sem licitação, firmados até o ano de 1998”, diz o texto.
Para reafirmar a obrigação já determinada pela Constituição, o documento cita a Lei Estadual n.º 11.283, de dezembro de 1998, na qual consta que “o transporte público intermunicipal de passageiros é serviço público e será explorado diretamente pelo Estado ou mediante concessão ou permissão de mercado (...)”.
A análise da força-tarefa aponta que não seria viável a realização da licitação se o sistema fosse mantido como é atualmente. Entre as razões da conclusão, está a inexistência de dispositivos legais regulamentando o sistema estadual de transporte intermunicipal. Além disso, o relatório afirma que a disputa por linhas individualizadas acarretaria certames desertos nas rotas inviáveis economicamente.
Ainda assim, em suas recomendações, o documento constata a necessidade de correção imediata das irregularidades. “A premência na realização dos procedimentos licitatórios, com fundamento nos regramentos já citados, não se trata de mera formalidade jurídica, mas de real preocupação com a afronta ao interesse público”, enfatiza o relatório.
Plano Diretor de Transportes deve estar pronto até o final do ano, garante Daer
Um dos argumentos usados pelo Daer para justificar a não realização da licitação vai ao encontro da constatação da força-tarefa. A falta de “dispositivos legais regulamentando o sistema” ou, como nomeia o departamento, de um Plano Diretor de Transportes, impediria a concretização da disputa. “A empresa que foi contratada pelo Daer e pela Secretaria Estadual de Infraestrutura está desenvolvendo o Plano. A partir dele, poderemos fazer os projetos básicos e as minutas dos editais”, afirma o diretor de Transportes Rodoviários do departamento, Paulo Ricardo Velho.
Para o promotor Nilson de Oliveira Rodrigues Filho, a justificativa da necessidade do estudo para a realização da licitação é frágil. “Há muitos anos, o Daer vem dizendo que precisa do Plano Diretor de Transportes para poder licitar. A tese do MP é de que o departamento não pode condicionar uma coisa à outra, pois, assim, se eles decidirem não fazer o plano, a licitação não sairá.”
Segundo Velho, no plano diretor irá constar a necessidade de linhas, pontos de origem e destino e locais de embarque e desembarque. Depois de pronto, o estudo precisará ser homologado pela Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Estado (Agergs). “Já estamos trabalhando para que também esteja inclusa uma nova planilha de custos tarifários”, diz o diretor do Daer.
Conforme o departamento, a licitação será feita por mercados, e não mais por linhas. Ainda não está certo como a será a divisão do território gaúcho para a posterior definição dos mercados, que devem variar entre 30 ou 40. “A previsão é de que o Plano Diretor esteja pronto até o final do ano”, acredita Velho. Depois disso, conforme o diretor da autarquia, a licitação não demorará muito para sair.
Publicação do edital da rodoviária da Capital depende de homologação da Agergs
Enquanto o processo licitatório das linhas de ônibus que ligam os municípios gaúchos não avança, o certame envolvendo a estação rodoviária também está em compasso de espera. Desde o dia 6 de fevereiro, o edital está nas mãos da Agergs, aguardando a homologação. Somente depois disso, a licitação pode ser aberta. Conforme a assessoria do órgão, o edital voltará ao Daer até amanhã.
A licitação que será lançada não abrangerá a remodelação completa do espaço. “Vamos fazer a licitação somente da concessão da venda de passagens, de forma que, nesse tempo, possamos fazer obras emergenciais para, depois, fazer a licitação de todo o complexo, com mudanças significativas. Nesse momento, demoraria muito tempo para fazer o projeto disso”, afirma o diretor de Transportes Rodoviários do departamento, Paulo Ricardo Velho. A empresa vencedora do processo poderá explorar a venda dos bilhetes por cinco anos. Velho espera que o processo comece e termine ainda neste ano. “A rodoviária está irregular, pois o contrato com a atual permissionária não foi renovado. Tem de sair neste ano.”
Quase 130 estações do Interior do Rio Grande do Sul não tiveram interessados
O Rio Grande do Sul tem um total de 328 estações rodoviárias. Desde o início de 2012, o Daer trabalha na realização das licitações de todas elas. Conforme a autarquia, 274 certames foram feitos. Destes, 138 tiveram empresas interessadas em assumir os locais, com 51 projetos tendo sido aprovados. Seis contratos ainda aguardam a assinatura.
Uma licitação, a da rodoviária de Cruz Alta, está suspensa por determinação judicial e, em 129 delas, não apareceram interessados para assumir o serviço. “Nessas, estamos entrando em contato com as prefeituras para, ao menos, manter um ponto de embarque e as passagens sendo vendidas nos veículos”, diz o diretor do Daer.
A maior parte das estações que não tiveram licitantes são da categoria 4, com faturamento mensal inferior a R$ 7 mil e localizadas em pequenos municípios. Velho acredita que, com o Plano Diretor de Transportes, possa haver alterações na remuneração das estações, o que poderia viabilizar o interesse de empresas em participar das concorrências públicas.
fonte: http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=163355
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